Para o alto e avante
Quem são as gaúchas que estão desbravando o território masculino das cabines de avião
GUILHERME MAZUI | guilherme.mazui@zerohora.com.br
A fragrância do 212 Carolina Herrera parte da cabine de comando do Let 410, indicando presença feminina no recinto. O aroma parte da pele clara de Kitty Trisch Knevitz, 23 anos, uma copiloto de madeixas loiras e olhos azuis.
Desde setembro de 2010, a gaúcha de Bom Jesus, com família radicada em Pelotas, voa pelos céus de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo em aeronaves de selo NHT. Senta à direita do comandante, auxiliando na operação do cérebro do Let 410, apto a receber 19 passageiros. Maquiada, unhas vermelhas, perfumada, Kitty confere feminilidade a um ambiente predominantemente masculino. Das 14 mil licenças emitidas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), apenas 7,5% são para mulheres - 937 pilotos e 115 copilotos. Na NHT, Kitty é a única.
A aviadora faz parte de um time de gaúchas que labutam em cabines de comando pelo país. Nas andanças por aeroportos, a vaidade é o meio de quebrar a linha masculina do vestuário, ditada por camisas, calças e sapatos sociais. No inverno, a copiloto ainda adota o blazer e a gravata.
Aos 17 anos, Kitty desistiu do Direito, trocou Pelotas por Porto Alegre e, em quatro meses, já era comissária de bordo. Entre Caxias do Sul e Eldorado do Sul, a troca de trabalho em aeroclubes por horas de voo ajudou a custear a formação de piloto, concluída em 2008. Habilitada, a gaúcha testou sua paciência. No ano passado, antes de ingressar na NHT, topou uma vaga de comissária. Passou a "morar na mala", onde acomoda roupas, cosméticos, carteira, pertences. Tudo adquirido em dose dupla.
— Se compro um creme, é um para casa e outro para a mala. É o jeito de lidar com as viagens - explica Kitty, que, a cada semana, dorme em média apenas dois dias em seu apartamento em Porto Alegre.
Na agenda de voos, de mala em punho, a copiloto pode ser vista em aeroportos de capitais, mas também do interior gaúcho, como Santa Maria, Uruguaiana, Passo Fundo, Rio Grande e Pelotas, paradas que já lhe concederam 600 horas de voo. Em mais um ano e meio, Kitty espera ter quilometragem para ser uma comandante - atenta e detalhista, como prega a cartilha feminina.
— Nas brincadeiras, dizem que aviação é coisa de homem. Discordo. Mulher é cuidadosa, cautelosa. O avião precisa descer suave, tocar o chão com a delicadeza de uma mulher - graceja.
Persistência e malabarismo aéreo
Com 7 mil horas de voo na carreira, a pelotense Luciana Carpena, 43 anos, ocupa o assento da esquerda na cabine do ATR: comanda o turboélice da Trip Linhas Aéreas. Passadas duas décadas nos ares, a gaúcha desfruta de uma carreira gestada na adolescência, fruto de um flerte inesperado. Aos 18 anos, acompanhou o tio, piloto de um jato, em um voo de Pelotas a São Paulo. Apaixonou-se e abriu a rota até se tornar a Comandante Carpena. Experiente, não pede regalias em relação aos pilotos homens, só o mesmo tratamento:
— Minha responsabilidade para levar com segurança os passageiros é a mesma de um homem. Se eu assumir a aeronave e cumprir a missão, está ótimo.
Copiloto da Azul Linhas Aéreas Brasileiras, Caroline Damé da Silva, 29 anos, compactua da ideia. Com 4 mil horas de voo, aprendeu a lidar com o que considera um preconceito velado.
— Temos que provar sempre que somos capazes de cumprir com as nossas obrigações. Muitos passageiros se surpreendem com uma mulher no comando, mas a surpresa é positiva, vem carregada de elogios — diz.
Natural de Encruzilhada do Sul, Caroline vive em São Paulo, assim como Luciana. As duas creditam o sucesso à persistência. Como os cursos são caros, trabalharam para ajudar nas despesas. Luciana ainda precisou se afastar duas vezes ao engravidar dos filhos, hoje com 16 e quatro anos.
— É questão de saúde da mãe e do bebê. Fiquei um ano sem voar em cada gravidez - recorda a pelotense, que conta com a ajuda de babás para cuidar dos pequenos.
Casada com um comandante da Trip, Luciana vive em um jogo de folgas - quando ela descansa, o marido está no ar.
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